terça-feira, 7 de julho de 2009

História de guerra

Bombas, foguetes, morteiros, granadas e tiros por todo lado.
O bombardeio é pesado e incessante. Dia, noite, dia, noite, dia...
Esse já é o terceiro dia em que tentamos defender nossas posições e evitar que o inimigo tome esse vilarejo em que estamos. Em tempos de paz, esse povoado nem estaria no mapa, mas agora ele tem uma posição estratégica e vital nesse conlito.

Apesar disso, parece que fomos esquecidos pelo alto comando. Não existe mais esperança para nós. O exército inimigo está em maior número. Nossas linhas de comunicação foram cortadas, mas temos informações não-confirmadas de que eles estão nos atacando com três batalhões de infantaria, além de sei lá quantos tanques e todos os aviões que podiam lançar bombas em cima de nossas cabeças.

Nós estamos cansados, doentes e famintos. Estamos racionando as provisões que estão no fim. Os feridos se amontoam sobre nós e nós nos amontoamos em cima dos mortos. Eles servem, ao menos, para reforçar as trincheiras. Não sei como aguentamos o cheiro acre e azedo de carne apodrecendo. Talvez porque o cheiro da nossa própria morte se aproximando seja mais forte e anestesie nossos narizes.
É uma questão de (poucos) dias para que todos nós tenhamos caído.

O desespero me faz sair das trincheiras e tentar fugir. Corro entre as bombas que explodem a minha volta e os tiros que zunem nos meus ouvidos.
Consigo sair da vila e atrevesso uma pinguela corroída pelo tempo que se equilibra sobre um pântano cheio de corpos perdidos.
No meio da lama, várias tochas acesas bruxuleiam suas frágeis chamas acima do mofo e da umidade, sem iluminar muito.
Paro e olho.

Elas fazem parte de um conjunto de piras funerárias. À distância e no meio da escuridão, percebo que elas estão em torno de algumas figuras caídas. Uma a uma, eu as reconheço. São meus sonhos que estão lá sendo velados. Todos eles estão lá. Os mais importantes, os nem tanto, os mais queridos e desejados e até aqueles de ocasião.
Todos mortos.
Sinto como se estivesse no velório de um velho amigo.
Um só não.
De todos eles.
Os que eu tive e os que eu não tive.
Os amigos que eu queria ter e os que eu não fazia questão.
Dói muito.
Em cima da pinguela, no meio do caminho, eu sento e choro.
E espero também a minha hora.

Texto e imagem de Ilvan Filho

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